Deusa do Ébano é referência de vida para meninas negras

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Promovido pelo Ilê Aiyê, título tem papel fundamental na forma como as jovens se tornam conscientes de seu potencial

No Carnaval de 2026, Laysa Faleta Xavier da Silva, 16 anos, acredita que irá observar o desfile do bloco afro Ilê Aiyê – que faz 50 anos agora – por uma perspectiva diferente. De cima do carro de apoio, vendo seus súditos e súditas subindo o Curuzu, no Sábado de Carnaval, no cortejo guiado por ela que estará orgulhosa pela conquista do título de Deusa do Ébano ao completar 18 anos. A partir do fomento e valorização da população negra por meio da estética, a entidade é responsável pela formação de gerações de mulheres empoderadas e cientes da sua beleza.

O desejo que motiva a adolescente foi o sonho do grupo de negros e negras que fundaram o Ilê Aiyê em novembro de 1974. Além de demarcar espaço dentro da folia baiana, a agremiação é responsável também por transformações individuais e coletivas no processo de conquista de direitos. “É importante destacar o trabalho político e pedagógico durante os 50 anos que o Ilê vem revolucionando pelo viés estético, que fizeram as pessoas olharem para a Bahia como um farol de esperança a partir do levante do Ilê em desobediência ao racismo”, afirma a socióloga Vilma Reis.

“Eu sempre sonhei com isso. Quero ser Deusa do Ébano e brilhar na avenida como eu sempre fiz. Ilê é a minha vida, minha paixão”, disse Laysa que não abre mão de já ir treinando para o seu futuro reinado e começa a produção quatro horas antes de sair de cada. “Compro minha sandália de couro, faço o torço, compro acessórios”, conta a jovem que estreou no bloco os 4 anos de idade.

Brilho

Já a pequena Sueli Santos, 10 anos, saiu por duas vezes no bloco. “A cada ano eu fico mais ansiosa, pois ela vive dizendo que quer ficar no carro da rainha. Sonho em realizar isso por ela”, conta a mãe, Jéssica Santos, 35 anos. Eu quero brilhar lá no carro de apoio com todo mundo me olhando”, disse Sueli.

Quando foi eleita primeira Rainha do Ilê, como era chamado o título inicialmente, Maria de Lourdes Santos Cruz (Mirinha Cruz), 65 anos, tinha 15 anos. Na época, ela venceu nove candidatas com uma amarração feita pela estilista Dete Lima com um lençol estampado com palmas e flores. “Eu sempre fui ousada, mas a nossa geração demorou para assimilar nossa beleza e não ter vergonha de se assumir. Quando se criou o concurso não se ouvia falar em modelos nem rainhas negras. A mulher negra tinha receio de usar roupas estampadas e de cores fortes, usar batom vermelho?”, disse a rainha que subiu o Curuzu em um jipe.

E a cada ano, a emoção se repete. Ao se imaginar recebendo o manto ou ativando a memória afetiva de como foi passar por essa experiência. “Lembrar que a gente já passou por aquele palco causa um sentimento diferente. Acompanhar o nervosismo dela, poder ajudar na preparação delas, acompanhar a evolução do concurso é muito gratificante”, contou Mirinha.

Há 22 anos lidando diretamente com as candidatas, Jaci Trindade participa de todo o processo que inclui a inscrição até o pós-concurso, dando suporte às mais variadas demandas das pretendentes ao título. O nervosismo e a tensão são comuns em todas. “No entanto, o que é mais forte é a cumplicidade entre elas, se tornam amigas. No final, elas vibram com o resultado independente de quem ganhe. Quando vejo isso, sinto a sensação de dever cumprido. Saber que elas se respeitam, que têm empatia”, disse Jaci, lembrando que a última edição ocorrida no Ilê Axé Jitolu contou com 150 inscritas, em 2003, e este ano, 160.

Ainda segundo Jaci, a experiência é transformadora. “A mudança é nítida. Quando a ganhadora passa a conviver com as rainhas dos outros anos nos eventos. Eles adquirem segurança, empoderamento, pois além do processo individual, o mundo passa a olhar para elas de forma diferente”.

Em busca dessa mudança, Cynthia Paixão, Deusa do Ébano 2014, participou do concurso por seis vezes e ganhou no ano que o bloco completou 40 anos. “O Ilê Aiyê me deu régua e compasso para que eu pudesse me reafirmar como mulher preta, periférica mãe solo, candomblecista e pude representar várias mulheres que não se viam nesse lugar. Fui a primeira Deusa do Ébano gorda. Consegui me colocar em um lugar de importância e resistência”, disse ela que alimentava o sonho de ser Deusa do Ébano desde os 12 anos.

A insistência levou ela a percorrer parte do caminho sozinha. “No ano que ganhei, não tive apoio de ninguém, mas fui com o coração gritando que era o meu momento. Não é só um título e um reinado. É falar por outras mulheres. O Ilê Aiyê é minha segunda pele. É importante levar para juventude, a responsabilidade das nossas falas e posicionamento. E o Ilê ensina isso e abre essas portas para que a gente possa se enxergar nesse lugar de importância”.

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